Anita, minha babá, que desde meus primeiros dias de vida cuidara de mim, chorava à porta de meu quarto, como que compartilhasse do meu sofrimento. Era uma mulher forte, negra, batalhadora. Sua mão esquerda sempre era vestida numa luva, quando eu perguntava à respeito do uso, dizia-me que sua mão esquerda possuía uma pele sensível, a qual protegia para evitar machucados.
A considerávamos como se fosse de nossa família. Ela fez de mim uma filha que sempre quisera ter, contudo, era infecunda. Nunca nos contou sobre sua família ou amigos.
Lembro-me que uma vez, quando eu tinha uns doze anos de idade fui adentrando em seu quarto em passos silenciosos, como só as crianças sabem fazer. Ninguém, nem mesmo minha mãe que era sua grande amiga jamais tinha entrado ali. Anita sempre trancava a porta e saía com a chave no bolso tão fundo quanto seguro.
Entrei no quarto, e reparei que haviam dois vasos cheios de flores, flores estas as quais nunca tinha visto em toda minha vida e em nenhum livro de botânica, exceto... Recordei, exceto uma vez! Sim, eu já havia visto uma daquelas flores em algum lugar, só precisava lembrar onde.
Isso! Lembrei! Em um livro na biblioteca do papai, entretanto, fazia muito tempo que eu a havia visto, acho que eu tinha uns oito anos, encontrei sua ilustração por acidente, enquanto brincava com os livros antigos do meu pai na biblioteca que ficava em seu gabinete no térreo do palácio.
Enfim, Anita estava lá, em seu quarto, penteava seus cabelos; sentada sobre uma cadeira de madeira bem talhada com o assento revestido de camurça vermelha. Olhava seus cabelos do tipo afro que iam sendo penteados através espelho. Sobre a banca em que ficava o espelho em formato oval existiam alguns frascos de perfumes – de fato, Anita andava perfumada por onde quer que ela fosse – sempre com a mesma fragrância.
Notei que a fragrância de seu perfume era o mesmo que aquelas flores – de pétalas brancas com um leve tom roxo em suas extremidades e com grandes Astúrias amarelas que saíam do seu centro – exalavam pelo pequeno quarto. Pude ver também que Anita possuía uma marca na parte superior da mão esquerda, a qual cobria sempre com uma luva.
Do rótulo dos perfumes que estavam sobre o móvel podia-se ler: Flor de Cetrus. Mamãe uma vez havia falado que iria comprar um perfume feito de Flor de Cetrus, todavia, disse-me que estas flores só podiam ser encontradas no norte do Brasil, mais especificamente na floresta Amazônica, onde os elfos habitavam há muito tempo atrás – antes de tornarem-se prisioneiros dos lobisomens.
Estes últimos aprisionaram os elfos em suas terras, localizadas no sul da Ásia, e toda Oceania. As feras da noite, ainda dominavam a costa sudoeste da África enquanto os andróides dominavam o norte da Ásia além do sudoeste europeu - fazendo fronteira com os vampiros que dominavam todo o leste da Europa – e a costa noroeste da África, confrontando-se com os lobisomens tanto no continente africano quanto no asiático.
Então, estas flores além de serem mágicas, traziam consigo todo um aroma muito agradável, tão agradável que todos os seres, independentemente de seu clã almejavam possuir. Uma vez, papai disse-me que até o mau cheiro dos lobisomens tornava-se imperceptível com o uso de tal perfume.
Por fim, o pequeno quarto era pequeno e parecia-me confortável, a cama estava coberta por um forro de cor marfim e a janela – que dava para o lado leste do palácio – era coberta por uma cortina simples, feita de chita e fitas de cetim davam o acabamento com laços pregados na extremidade inferior do tecido.
Toda noite Anita saía às escondidas, só eu sabia e mais ninguém. Dizia-me que ia ao encontro de um pretendente – tal sujeito que jamais conheci. Ela pulava a janela do seu quarto e, não sei como, passava pelo enorme muro que cercava nossa propriedade – ela era uma grande amiga.
Quando ia saindo do quarto perfumado de Anita, ela notou minha presença, ficou assustada e repentinamente ficou irada – fora a primeira vez que a vira tão brava. Mandou-me sair dali imediatamente – e eu saí chorando, ao mesmo tempo espantada com a reação de Anita.
Vendo minha expressão de pranto e temor, Anita pegou-me pela mão, saímos de seu quarto – como sempre trancou a porta – agachou-se em minha frente, olhou em meus olhos com uma feição de dó e deu-me um beijo na bochecha direita. Falou-me estar arrependida do que fizera comigo e depois jurou nunca mais o fazer novamente com a condição de eu jamais entrar em seu quarto sem a sua autorização. Jurei.
Depois de chorar muito atrás da porta de meu quarto, lamentando-se comigo do meu infeliz casamento, ela saiu. E eu fiquei ainda lá, enfurnada em meu quarto, pensando em como a vida é cruel e amarga.
Os andróides são frios, em sua grande maioria. Eu já havia ouvido falar horrores deles, de como torturavam seus prisioneiros de guerra. Papai tinha um interesse nesta história toda, e, para conseguir o que queria iria muito mais longe, eu sabia disso.
Minha respiração tomada pelo choro e pelo desespero era a única música que se fazia ressoar naquele espaço. Deitei-me na cama, largada, como quem se entregava à dor. Ouvi passos vindos do corredor. Não movi-me para observar quem era. Este alguém que a pouco fazia-se ouvir pelo som de seus passos pelo grande palácio sentou-se junto a mim. Ainda assim, permaneci na posição em que estava.
- Minha doce amiga, por que estais a chorar prantos tão amargos? – Eu conhecia aquela voz, mesmo assim não quis olhar, era Alice, minha melhora amiga, só ela sabia que eu era uma bruxa. E ela silenciou este segredo dentro de si. – Alegra-te! Já vem chegando o aniversário do Imperador, e nós estaremos lá para prestigiá-lo. Todos os bons partidos estarão na festa, quem sabe algum não se interesse por nós... Mas, agora levanta-te!
- Tu não compreendes amiga Alice. Mamãe disse-me agora a pouco que estou prometida.
-Prometida!
-Sim. Isto mesmo. Prometida.
- À quem? Tu o conheces?
- Não sei seu nome, só sei que é rei da Itália. Nem o quero conhecer. Será que é difícil entender que eu quero que o amor aconteça por ele mesmo? Quero tanto encontrar um homem ao qual me apaixone eternamente... Não quero um casamento de contratos.
-Como podes ter tanta certeza que não poderá amá-lo? Nem o viu ainda...
-Porque ele é um andróide Alice! Um andróide! – Ela olhou-me bem ao fundo de meus olhos e, senti o seu desconhecimento do que haveria de ser um andróide. – Andróides são mortos-vivos que, para viverem, implantaram ao copo pedaços de máquinas. Alguns têm braços mecânicos, outros, pernas e há outros ainda que as ferragens tomam parte do rosto.
Olhamos-nos alguns instantes eu esforçava-me a segurar meu pranto, até que vi dos olhos de Alice jorrarem lágrimas de lamento e impotência. Abraçamo-nos fortemente, como duas irmãs, e eu senti que não estava só.
- Não entendo o porquê de toda essa lamúria. Deveria agradecer ao papai por ele ter-te arrumado um bom homem para casar. – Ouvi. Era Carolina, minha irmã. Sempre fria e sarcástica. – Não te preocupes com esta, Alice. Aposto que será a madrinha do casamento de minha irmãzinha.
- Aniquefassa! – conjurei. E a porta do quarto se fechou bem na cara de Carolina. Fiquei ali na cama, chorosa e desesperançosa da vida, mas, sobretudo, do amor.
- A propósito, papai quer falar com você Clara. Ele está muito animado, é melhor descer imediatamente. – Gritou-me Carolina do corredor.
Depois de ouvi-la enxuguei com as mãos meu pranto, fingi-me de forte tentando enganar os outros que me vissem e a mim mesma. A seriedade tomou-me conta do espírito, e desci as escadas.
Desci degrau por degrau, em um rito tão lento quanto sem vontade. Papai estava na sala, fumava um charuto francês enquanto ouvia Mozart pela antiga vitrola. Sua face sorridente olhava o jardim em frente à casa pela janela, talvez tentando imaginar o futuro da sua filha casada com o marido que lhe arranjara. As tulipas amarelas que eu e a mamãe plantamos no outono passado, as roseiras das quais se podiam ver rosas brancas...
A verdade é que, todo o clã dos bruxos sairia ganhando com meu casamento. Nós conseguiríamos aliados, os andróides dominavam o sudoeste da Europa e o oeste asiático, na altura da região do Império Russo.
Esta aliança seria de muita valia, já que não seria nada fácil vencer os vampiros, um dos nossos piores inimigos há séculos. Minha presença ainda não tinha sido notada pelo meu pai, e se caso ele houvesse percebido-me não demonstrara.
- Papai? Mandou chamar-me?
- Sim, filha minha – disse com um sorriso discreto – sabe que te amo não é?
-Sim papai.
-Sente-se, querida – sentei-me em sua frente – sabe que eu sempre quis e vou querer sempre o seu bem, não é mesmo?
-Sim.
-Há pouco confirmei um trato. Você está prometida em casamento, prepara teu enxoval, se o tempo nos permitir tua cerimônia será em breve. Muito em breve.
-Como assim papai? Não quero ser vítima de um casamento arranjado nem tão pouco de suas alianças militares. Tenho o direito de rejeitar tal proposta que me é imposta. – Disse cheia de mim mesma. – Sou uma romântica papai. Sonho com o amor verdadeiro, desses que acontece por si só, sem interesse algum a não ser o de só amar.
- Deixe de besteiras Clara, o tempo ensinar-te-á a amá-lo. E tu te tornarás rainha...
- Casada com um andróide? Máquinas não amam e nem mortos-vivos sabem amar. O único sentimento que há dentro destas criaturas é o ódio.
-Ódio que nos ajudará contra os nossos inimigos.
-Isso mesmo, só o clã dos bruxos sairão com vantagem, à custa de um matrimônio baseado em interesses. Entenda-me, por favor, deixe-me decidir sobre meu próprio destino. – Implorei com os olhos reluzentes em lágrimas. Mas, não derramei pranto algum, estava orgulhosa de mim mesma por reivindicar algo que, de fato era minha, a decisão de decidir sobre meu destino.
Silêncio. Talvez, se eu continuasse a falar acabaria chorando. E deu para ouvir de cima do Palácio o miar de um gato, certamente o mesmo de momentos atrás. Não sabia para onde olhar e, quase que agoniada procurava alguma coisa para observar, o que eu realmente queria era sumir dali, naquele instante.
-O que está feito está feito. Prepara-te, pois, ele virá daqui a alguns dias. – Respondeu olhando-me com profundidade. – Será a futura rainha da Itália e, o nosso clã dominará os outros existentes.
-Sumitafus! – Conjurei o feitiço do desaparecimento. Fui parar na rua em frente ao Palácio. Naquele momento queria um momento pra mim, só pra mim. E mesmo ao lado de fora de casa ouvi os gritos de meu pai chamando-me com grande ira. Não seria uma boa ideia voltar para lá agora, não mesmo.
- Tu não compreendes amiga Alice. Mamãe disse-me agora a pouco que estou prometida.
-Prometida!
-Sim. Isto mesmo. Prometida.
- À quem? Tu o conheces?
- Não sei seu nome, só sei que é rei da Itália. Nem o quero conhecer. Será que é difícil entender que eu quero que o amor aconteça por ele mesmo? Quero tanto encontrar um homem ao qual me apaixone eternamente... Não quero um casamento de contratos.
-Como podes ter tanta certeza que não poderá amá-lo? Nem o viu ainda...
-Porque ele é um andróide Alice! Um andróide! – Ela olhou-me bem ao fundo de meus olhos e, senti o seu desconhecimento do que haveria de ser um andróide. – Andróides são mortos-vivos que, para viverem, implantaram ao copo pedaços de máquinas. Alguns têm braços mecânicos, outros, pernas e há outros ainda que as ferragens tomam parte do rosto.
Olhamos-nos alguns instantes eu esforçava-me a segurar meu pranto, até que vi dos olhos de Alice jorrarem lágrimas de lamento e impotência. Abraçamo-nos fortemente, como duas irmãs, e eu senti que não estava só.
- Não entendo o porquê de toda essa lamúria. Deveria agradecer ao papai por ele ter-te arrumado um bom homem para casar. – Ouvi. Era Carolina, minha irmã. Sempre fria e sarcástica. – Não te preocupes com esta, Alice. Aposto que será a madrinha do casamento de minha irmãzinha.
- Aniquefassa! – conjurei. E a porta do quarto se fechou bem na cara de Carolina. Fiquei ali na cama, chorosa e desesperançosa da vida, mas, sobretudo, do amor.
- A propósito, papai quer falar com você Clara. Ele está muito animado, é melhor descer imediatamente. – Gritou-me Carolina do corredor.
Depois de ouvi-la enxuguei com as mãos meu pranto, fingi-me de forte tentando enganar os outros que me vissem e a mim mesma. A seriedade tomou-me conta do espírito, e desci as escadas.
Desci degrau por degrau, em um rito tão lento quanto sem vontade. Papai estava na sala, fumava um charuto francês enquanto ouvia Mozart pela antiga vitrola. Sua face sorridente olhava o jardim em frente à casa pela janela, talvez tentando imaginar o futuro da sua filha casada com o marido que lhe arranjara. As tulipas amarelas que eu e a mamãe plantamos no outono passado, as roseiras das quais se podiam ver rosas brancas...
A verdade é que, todo o clã dos bruxos sairia ganhando com meu casamento. Nós conseguiríamos aliados, os andróides dominavam o sudoeste da Europa e o oeste asiático, na altura da região do Império Russo.
Esta aliança seria de muita valia, já que não seria nada fácil vencer os vampiros, um dos nossos piores inimigos há séculos. Minha presença ainda não tinha sido notada pelo meu pai, e se caso ele houvesse percebido-me não demonstrara.
- Papai? Mandou chamar-me?
- Sim, filha minha – disse com um sorriso discreto – sabe que te amo não é?
-Sim papai.
-Sente-se, querida – sentei-me em sua frente – sabe que eu sempre quis e vou querer sempre o seu bem, não é mesmo?
-Sim.
-Há pouco confirmei um trato. Você está prometida em casamento, prepara teu enxoval, se o tempo nos permitir tua cerimônia será em breve. Muito em breve.
-Como assim papai? Não quero ser vítima de um casamento arranjado nem tão pouco de suas alianças militares. Tenho o direito de rejeitar tal proposta que me é imposta. – Disse cheia de mim mesma. – Sou uma romântica papai. Sonho com o amor verdadeiro, desses que acontece por si só, sem interesse algum a não ser o de só amar.
- Deixe de besteiras Clara, o tempo ensinar-te-á a amá-lo. E tu te tornarás rainha...
- Casada com um andróide? Máquinas não amam e nem mortos-vivos sabem amar. O único sentimento que há dentro destas criaturas é o ódio.
-Ódio que nos ajudará contra os nossos inimigos.
-Isso mesmo, só o clã dos bruxos sairão com vantagem, à custa de um matrimônio baseado em interesses. Entenda-me, por favor, deixe-me decidir sobre meu próprio destino. – Implorei com os olhos reluzentes em lágrimas. Mas, não derramei pranto algum, estava orgulhosa de mim mesma por reivindicar algo que, de fato era minha, a decisão de decidir sobre meu destino.
Silêncio. Talvez, se eu continuasse a falar acabaria chorando. E deu para ouvir de cima do Palácio o miar de um gato, certamente o mesmo de momentos atrás. Não sabia para onde olhar e, quase que agoniada procurava alguma coisa para observar, o que eu realmente queria era sumir dali, naquele instante.
-O que está feito está feito. Prepara-te, pois, ele virá daqui a alguns dias. – Respondeu olhando-me com profundidade. – Será a futura rainha da Itália e, o nosso clã dominará os outros existentes.
-Sumitafus! – Conjurei o feitiço do desaparecimento. Fui parar na rua em frente ao Palácio. Naquele momento queria um momento pra mim, só pra mim. E mesmo ao lado de fora de casa ouvi os gritos de meu pai chamando-me com grande ira. Não seria uma boa ideia voltar para lá agora, não mesmo.