quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

UM DIÁRIO, UM GATO E UM CASAMENTO





 “Abram-me todas as janelas!

Arranquem-me todas as portas!
(...)
Quero viver em liberdade no ar,
Quero ter gestos fora do meu corpo, (...).”
                                                                                               -Fernando Pessoa-




     Vez ou outra eu traduzia meus mais profundos e enigmáticos pensamentos em palavras, ali em meu diário – que sempre ficava a tiracolo. Toda a noite encontrava-me admirando a lua do batente da minha janela, no primeiro andar do Palácio Rio Negro, no Rio de Janeiro, sede do Império do Brasil – onde morava com minha família – fazia isto quase que ritualisticamente todos os dias.
     Vários foram os instantes naquele dia em que senti como que alguém estava a observar-me ao longe, minha pele tão alva quão iluminada dos raios prateados da bela lua cheia arrepiou-se – sim, alguém estava próximo a mim e eu não fazia à mínima ideia de quem fosse – entrei rapidamente para o quarto fechando a janela e as cortinas já quase que desesperadamente. Era uma energia ruim que eu sentia.

     Minha mãe passava pelo corredor quando me viu mover-me apressadamente – o que houve? – Perguntou ela em um tom tranqüilo e ao mesmo tempo preocupado – Clara? – Insistiu para que eu falasse.

- Não sei mamãe. Senti uma energia muito ruim, nunca tinha sentido algo que assemelhasse àquilo.

- Calma criança – disse-me ela entrando em meu quarto e sentando-se ao meu lado na beira da cama – Pode ter sido um gato talvez, você sabe que gatos têm a capacidade de absorver energias das mais variadas pessoas.

     Ao acabar de falar-me estas palavras um gato o qual não conheço miou de algum lugar em cima do teto. Depois disto, rimos. Minha mãe, a Duquesa de Camden Verena de Albuquerque era a mulher mais doce e inteligente que eu já pude ter a honra de conhecer.
     Alta, corpo com curvas singelas, possuía olhos da cor do mar, cabelos negros de fios finos e cacheados, uma pele tão alva quanto a minha e bochechas rosadas que lhe davam um ar misto de ingenuidade e sedução.

- Como tem passado os últimos dias minha filha meiga e romântica? – Sorria e me abraçava – Tenho sentido tua falta ao meu lado.

- Mais romântica que meiga, mamãe – respondi com sua mesma doçura na voz e um leve sorriso no rosto – a senhora sabe como estou. Ando triste ultimamente, não tive a sorte de conhecer alguém como aconteceu com minha amiga, a princesa Francisca. Ela sim teve sorte. Foi amor à primeira vista pelo príncipe de Joinville, Francisco Fernando. Às vezes penso se meu destino é viver sozinha mamãe. E temo que o seja.

- Temes à toa minha querida. Teu pai já recebera hoje mesmo um rapaz que interessou-se por ti. Pareceu-me de boa índole, e você, minha pequena, sabe que muito dificilmente se engana um bruxo – disse-me afagando-me em seu colo materno – ele é rei da Itália, querida. Bonito, jovem...

- Quero que o amor me aconteça e não um amor construído em cima de interesses mamãe. Sei que, meu pai fará isso por nós, por nós mamãe! Ele sabe que precisamos de aliados nas terras da Europa e, sendo assim, meu casamento com esse rei italiano seria com que um selo nesta aliança que ultrapassa o matrimônio.

     Fizemos um instante de silêncio, enquanto eu derramava as lágrimas que insistiam em sair-me dos olhos, minha mãe olhava-me com compaixão. No fundo ela sabia que eu estava certa e, compreendia o meu estado naquele momento.

     Fiz menção em sair do quarto, entretanto, tudo o que eu mais necessitava naquela hora era estar cravada nos braços daquela que sempre me apoiou: minha mãe.

     Não queria que acontecesse assim comigo. Jamais acreditei em casamentos arranjados. Jamais. Eles em sua grande maioria aconteciam por interesses, e somente por eles se concluíam os fatos. Não se aprende a amar um homem como marido assim, da noite para o dia. O amor acontece e pronto. E sabendo disso minhas lágrimas não paravam de jorrar.

     Quem dera que as estrelas, destas que eu fico a observar ouvissem minhas súplicas naquele momento. Uma pergunta me vinha à boca e custava-me cuspi-la, até que com muito esforço sussurrei aos ouvidos de minha mãe – o que é ele? – O silêncio se fez ouvir no quarto escuro, e, sob um raio de luz que vinha da lua prateada, cheia e solitária lá de fora ela me disse em tom baixo e piedoso – andróide – e saiu daquele cômodo, me deixando a chorar por minhas amarguras amorosas. Sei que aquilo doía mais nela que em mim mesma, ou talvez, doesse tão grande dor em ambos os corações, tanto no da filha, quanto no da mãe.

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